Sunday, October 29, 2006

Praguejo sem nome no 5

Para que tanto escrever a respeito, páginas e palavras, folhas e folhas de papel, tinta de canetas, de impressoras. Tanto mato cortado, tanto mato espremido, tanta pedra moída até o pó. Tanta água para dissolver o pó.
Para que tanto escrever, o que não se pode descrever assim, de súbito.
Porque essa palavra, chavão, derretida. Usada e largada, na boca de tanto ator ruim da Globo. Na voz de tantos goianos e texanos sem talento. Por que essa inundação cancerígena do espectro eletromagnético, banalizando isso que não podemos exprimir?.
Ficássemos com Bill, o Trovador, daria na mesma?
Os simples de espírito – e pobres de bolso não o entenderiam? Se ele fala a língua deles – não é só traduzir aqui e ali, que dá?
Por que tanta dor, tanto calor vira tanto lixo?
Algum mais além do Bill! Sim, escrito ou filmado, tantos chegaram perto, mais perto que o Manoel Carlos. Talvez pela sinceridade, talvez pelo choque, mas a velhinha em cinco minutos disse muito mais que quinze novelas do Manoel e trinta da Glória. Para que ser artista se não consegue ser melhor que a realidade?
E quando anoitece, voltamos para a solidão de nossos quartos, para o solipsismo de nossos sonhos. E cadê o Manoel, cadê a Glória?
Onde o Bill, Onde o Byron? Onde o Álvaro?
E quando os sonhos não vêm, quando os desejos queimam, por quê Romeu? Por quê Julieta? Nessas horas, alguns apelam para a tristeza técnica de um Fernando Paciência, reprimindo aquilo que matou o Anteneu. Outros para as Sabrinas de papel jornal. Os mais refinados para Clarice. E isso não tem nada a ver com orientação, não entendam errado.
E aquele fogo, roubado pelo Renato? Onde Camões? No fundo do mar é lá que está.
O mundo hoje, os críticos querendo ou não, é Vinícius, é Brecht. Provisório até, senão mais.
O mundo é mais que a palavra, o mundo é sangue suor e lágrimas.
E só assim que é bom.
Queimando brilhante nas florestas da noite; e simétrico.

Wednesday, June 28, 2006

Vislumbre

Vislumbre

Sono, muito sono, essa sensação me carregava por todo o dia. Um longo, mas muito longo dia, que alcançava as duas horas da tarde. Entrei na sala para assistir à palestra, era o que o mundo esperava de mim.

O mundo esperava isso de mim, é claro, não diretamente, mas através de várias mediações. O mundo – um pedaço de terra com tanta matéria, que fazia com que outros pequenos pedaços de matéria ficassem presos a ele, até mesmo aqueles mais ativos e enérgicos, chamados de formas de vida – nunca poderia exigir nada diretamente de mim. Mas os outros pedacinhos de matéria, acoplados a ele pela mística força da gravidade, ah, esses sim! As necessidades materiais e as obrigações sociais, a fome e a sociedade eram a principal forma de intervenção do mundo sobre este eu que vos fala. Já que eu, um ser humano, vivia numa sociedade onde as pessoas se inter-relacionavam, embora não o percebessem muitas vezes, totalmente presas em si mesmas; cada ação minha implicava em conseqüências para outros. Logo, as ações dos outros, uns seis bilhões, implicavam em inúmeras conseqüências para mim. Foi assim que eu nasci num lugar onde não escolhi, culpa de toda a história da minha linhagem familiar; eduquei-me num ambiente que também não me seria o mais favorável; e desenvolvi, num misto de subjetividade nebulosa e pressões sociais obscuras, o que eu sou hoje: uma completa invenção de mim mesmo e do mundo. Assim, chegando onde estava, o mundo me dirigia ao grande anfiteatro, e, como eu não tinha a menor disposição no momento de colocar a minha subjetividade contestadora em ação, deixei-me ir para lá.

Muito bem, sentei ma numa poltrona do fundão mais ou menos próximo da porta, na esperança de poder sair rapidamente ou para ir ao banheiro sem atrapalhar muita gente; eu estava a três poltronas da entrada.

Pigarro, pigarro, pigarro...
As idéias concatenavam-se de maneira lógica, irrepreensivelmente lógica. O palestrante expõe que uma observação compõe-se de um ato observado, uma ação observadora, um sujeito que observa; o que implica uma injunção de três elementos em ideal concatenação, de forma a compor uma 1) ob, do latim: ab 2) serva do latim: conservar, manter e 3) acto, no latim: ação. Significação completa, que transcendeu seu local original de formulação lingüística; desembocando num local temporal remoto, devido à proximidade que este tipo de prática tem com as raízes do que chamamos humano. E a observação vai, portanto, se convertendo numa não-observação, estabelecendo uma dicotomia ontológica conforme é possível se aperceber da irremediavelmente coesa explanação do palestrante que, exímio retórico, converte uma prática humana processual e histórica numa decodificação binária e estanque. Minha subjetividade pesca três vezes, com firmes solavancos assustados com a súbita reclinação de minha cabeça, impedindo-me de me entregar à não-observação, só que eu não suporto mais, às favas com a palestra. Eu durmo escuro.

Meu encontro com Zuleika é atrasado, que horror! O homem de preto se aproxima com o coração de minha mãe, de novo, Zuleika é uma ovelha, eu sou minha mãe morta num caixão...e as idéia objetivam-se numa injunção transtemporal englobando tudo dentro de sua incorporação em um logos global, ou seja, eu dormi.
Olho no relógio, um minuto se passou. Embora eu tenha sonhado, um longo sonho. Curioso...

Enquanto meu trono de pedra se converte em minha mão morta, vejo os caminhos para a Faculdade se abrirem quando levanto meus braços, conduzindo o povo escolhido, nem hippies, nem beatniks, mas mods da swinging London; ao lado Charton Heston segurando sua winchester cumprimenta Gus Van Sant. Desapegado dos nexos observacionais, mais trinta segundos de sonho. Estranho os dois sonhos repentinos. Geralmente eles vêm no meio de um bom sono, REM exige mais tempo;

Cai o pano, eu estou frente a frente com Elvis, ele me passa o bastão da orquestra e o jardim de infância é todo meu. Meu e do homem de preto com o coração de minha mãe. Dividimos o gira-gira e o escorregador, de forma que Zuleika também possa brincar. Elvis está no palco dizendo que a observação é um amor tenro, e que as injunções são como sapatos azuis. Olho no relógio enquanto Elvis fala para minha mãe e para o palestrante, nem 15 segundos! O homem de preto está na porta do anfiteatro, segurando a ovelha com zuleika a seu lado. Eu pulo de minha cadeira e não vejo mais Elvis. Dez segundos passados, os quinze nem existiram, eram sonho de pé com o gira-gira sobre minha cabeça onde brinco com minha mãe e minha mão, ambas mortas. Eu sei que foi Charlton Heston. E persigo o canalha, cinco meses, dia e noite, por toda a Costa Oeste dos Estados Unidos da América, até encontrá-lo em sua casa guardada por um exército de Michael Moores raivosos, portando fotografias de meninas assassinadas, tentam me matar de remorso, mas tenho Jesus no coração, e o assassino é Charlton Heston, por cumplicidade simbólica. Com o queixudo sob a ponta de minha bota, peço a ele que não chore, pois não gosto de matar gente triste. O homem de preto me pede licença e recomenda que eu cuide bem de Zuleika. Charlton é Zuleika. Descubro isso dez anos depois de casado. Cinco segundos. Só.

Eu corro assutado.
Até a porta do anfiteatro. Eu corro acordado. Tento apagar o interruptor, na escuridão as pessoas me xingam. Eu acendo de volta e saio do Anfiteatro. Olho o relógio.
O homem de preto me pega pelo braço, me leva até o monte onde dorme a serpente branca. No topo, Elvis me espera. O homem de preto retira sua roupa e como uma sacerdotisa iraniana, Zuleika me conduz até o REI. Com sua roupa branca com lantejoulas ele me oferece as chaves do universo.

Meu relógio não marca mais a diferença entre o instante em que saio da porta do anfiteatro até chegar na rua. As pessoas estão estátuas. Os carros estão parados. Os mendigos não pedem esmolas e os flanelinhas nunca vão me alcançar. Mas se não há tempo, o mundo não espera mais nada de mim. Não há mais sociedade, só eu. Entro no meu carro, com poltrona macia.

Elvis espera minha resposta. Eu vejo ele mostrar tudo que eu terei. Eu sou o momento inicial, o caos que se torna certeza, que se torna possível, que se torna passado; a luz das estrelas, o primeiro hidrogênio, o primeiro metal pesado. Eu sou todas as estrelas e apenas uma ao mesmo tempo. Eu sou um planeta quente, sou gás, sou gelo, sou água. Sou a primeira gota de chuva, sou química orgânica, o primeiro eucarionte, um peixe, um anfíbio, um réptil. Eu sou um rato, um gambá, um macaco, um homem. Sou um nome perdido, uma mãe gorda feita de barro, adorada por todos, até o fogo e o arado. Sou Krishna, sou Zaratrustra, sou Buda, sou Jesus. Maomé, Marx, Jean-Paul Sartre. Eu sou Elvis. Eu sou a criação. E eu sou existência pura, materialmente objetivada, cujo motor é a luta de classes e o sexo, sem nenhuma metafísica, além da liberdade humana transcendental nela mesma. Eu sou utopia. Eu te amo, garota, e se é quase certo, eu preciso de você. Creia em mim quando digo. Zuleika, a qual nunca vi mais gorda me beija, vestida de minha mãe e se masturba com minha mão morta – a mão morta da criação, mesmo morta, ainda é uma mão divina, eu digo sorrindo de soslaio.

No meu carro, no meu relógio, nada perto de bilhões de anos se passaram. Em minha mão, o cheiro de Zuleika, ácido.

Saio do carro, junto um pessoal em volta dum caixote de feira, eles ainda não se mexem, mas começo a discursar. Não sou a criação, sou um de seis bilhões e já que o mundo me expele, vou fazer nos últimos segundos, milionésimos de segundos que me restam, aquilo que sempre tive vontade. Jogo meu terno no chão, arregaço as mangas e começo a falar e fazer. Logo, as estátuas humanas começam a me acompanhar, não é de imediato, mas depois de muita observação eu pude notar seu movimento. Para mim, cada vez mais lento, mas real. Nos meus instantes desperto, entre um chá e outro com Elvis, uma trepada e outra com Zuleika de preto, organizo um partido de vanguarda, explico às estátuas as idéias de Lênin, Rosa e Bakunin. Entendemos juntos a tal da reificação e a sociedade do espetáculo. Montamos um plano de articulação das massas que tiveram de se articular sozinhas, pois a nossa vanguarda errou no fermento. No entanto, com sua espontaneidade, que na minha escala de visão das coisas tornava-se bilhonar, as pessoas fizeram a Revolução. Exatos 15 dias, 23 horas, 34 minutos, 45 segundos, e outras frações, não tão exatas, nem pertinentes para pessoas que não tem a minha visão da passagem da lua e do sol. Eu estava feliz, podia ser expelido do mundo. Mas na verdade me tornei Elvis. Putz, eu queria mesmo ser o John. Até o Ringo era mais bacana.

Saturday, July 30, 2005

Que nem a música do The Who

Substitutos do humano, perambulavam pelas calçadas em busca de um gole de água, pura, inodora, mineralizada como o asfalto poluído. Substitutos! Era isso que lhes restava ser. Pois o homem, o humano, não mais estava presente. O homem, aquele que tinha criado tudo aquilo desaparecera.
Um cafezinho, um pão, uma bolacha, um bischcoito. Não importa em que língua, um refri, um refreshco! O horizonte alimentar dos substitutos era o das propagandas baratas nas contra-capas de revista. Dos sucos Tang açucarados, dos Guaranás Bacanas da vida; das bolachas Mirabel recheadas, com um buraco vazio no meio do recheio.
Substitutos no trabalho, camelôs de segunda mão, quando o titular foi no banheiro; essa foi a sua origem: estagiários, temporários, contínuos, rapazes de recado, diaristas, todos substitutos. Todos feitos de paisagem, personagens de fundo da tela, sem nenhuma linha escrita pelo criador humano.

E agora, o homem desaparecera. Os substitutos eram os donos do mundo...

Um mundo substituto. Fora o que restara do planeta. Não havia mais a autenticidade romântica de uma natureza primária. O mundo era mais coisa, mais mecanismos, mais humano, do que contingência. O mundo era razão. Peças de lego, plástico desperdiçado, desarrumado na lata do lixo da história. Sobras no prato dos substitutos. Era isso que o homem lhes deixara.
E onde estava o homem? Perdido em seu labirinto de certezas e riquezas. Corrupto como uma ceroula com fungos. Chafurdando na cultura produzida por séculos de especulação e experimentação racional. Procurando Deus em si mesmo, o homem tinha achado o diabo dos substitutos, que poderiam fazer tudo que sua paranóia ordenasse. Os substitutos, menos que homens, menos que escravos, notas de rodapé da humanidade. E o homem, assim saía da vida para entrar na história.
Criou substitutos de todas as classes e raças. O mundo substituído. O homem eternizado como um super-homem.
O mundo profanado, como só um mundo sensível pode ser.
O homem divinizado, como nem mesmo a mais louca nobreza aristocrática conseguiria pensar. O homem divino de Comte. Então, só restaram os restos – et cetera.

Gritaram do crepúsculo até a aurora dos tempos:
Somos os substitutos. Não há mais homem. Somos os donos do mundo!
Somos agora apenas gordura vegetal!
Somos agora apenas gordura vegetal!


Fade to black

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Thursday, May 19, 2005

Semear as sementes do amor

“Deixem passar o tempo! Deixem passar o Tempo!” Gritava o velho na torre. Ninguém sabia dizer como o mendigo tinha subido tão alto no edifício, mas definitivamente ele estava lá. “Semeeiem as sementes do amor! Semeeiem as sementes do amor!” continuava o velho, empesteando o ambiente com suas palavras, icomodando os clientes do restaurante na cobertura de um sofisticado prédio nos Jardins. “Não é tanto o cheiro, mas o barulho...” Dizia um senhor de terno preto e gravata marrom, muito magro, com um bigode pequeno e tímido, enquanto o gerente acenava para os seguranças.
“Semeieem as sementes do amor, deixem passar o tempo!” continuava o mendigo conforme silhuetas largas, também de terno preto, se aproximavam. “O poder do amor “ era pego pelos dois cavalheiros; um com um metro e noventa e três centímetros de altura, o outro com dez centímetros a menos, mas cinco a mais de ombros. Ambos vizivelmente de tez mais escura que que o resto das pessoas no restaurante. “O poder do amor, eu acredito!” era gentilmente arremessado para o saguão, enquanto os clientes olhavam e um garçom paralizava perante asituação.

“Engulam seu orgulho, semeieem as sementes do amor!” Gritou o velho barbudo. Um dos cavalheiros, o que era mais baixo e seria definitivamente chamado pelos padrões do IBGE de negro, pegou um de seus braços e o arrastou até uma pequena porta próxima da saída de emergência. Ninguém viu, só os curiosos e o garçom que foi até a magistral porta de vidro que dava acesso ao restaurante.
“Semeieem as sementes do amor...” foi interrompido por um baque de ossos treinados contra carne frágil, seguido de um grito úmido e vermelho. O garçom sabia o que estava acontecendo.

Um homem de bigode e óculos, alto, bem alto, com uma barriga redonda e protuberante que contrastasva com seus braços finos, o homem a quem o garçom servia, por outro lado, não tinha a menor idéia do que estava acontecendo. È claro, ele podia ouvir os sons, logo podia formular hipóteses. Ele podia saber que usavam de violência, mas era uma vioilência da qual ele nunca tivera experiência. O que o homem de bigode, e o cavalheiro que almoçava com ele; moço também alto e elegante, de feiçôes ibéricas, de sorriso amigável, muito bem posto em seu terno cinza; o que eles conheciam era a violência clinicamente trabalhada do cinema. A mentira realista dos filmes e a realidade mentirosa dos telejornais. E a partir daí, eles podiam formar opiniões. Opiniões sobre o que acontecia na salinha ao lado da saída de emergência. Agora o cavalheiro tentava puxar assunto sobre o velho mendigo, falar do ocorrido. Mas o homem de bigode não queria. A conversa, ele tinha certeza, desembocaria na política. O bigode-cidadão não queria ter que defender, novamente, os seus pontos de vista a favor de mais reforço na polícia, contra os argumentos mais bem elaborados, como “a violência é um problema social” do cidadão-executivo-elegante.

Contudo, o garçom, este sim sabia que a violência era o preço de semear as sementes do amor. Pois o garçom amava, amava e amava. Seus sentimentos eram como o mostrador da equalização do rádio, quando a música aumentava suas emoções ficavam vermelhas e, raramente, permaneciam muito tempo no led amarelo.
O garçom amava verdade, o garçom queria um futuro bonito para o seu amor e por isso trabalhava. O garçom já tinha sofrido muito, e nem tivera sido para semear as sementes do amor. Já tinha apanhado, já tinha batido. Já tinha xingado com a boca cheia; de raiva de estilo.

FILHOS–DA–PUTA! (escapou involuntariamente e o bigode-cidadão assustou.) O amor o havia salvado, com seu verdadeiro amor, descobriu que amava o mundo. Deixara as ruas, deixara as gangues. Que fossem para a PUTA-QUE-O-PARIU! (e o cavalheiro elegante estranhou.) O cidadão-bigode não amava o mundo. Desprezava-o. O cavalheiro charmoso só amava o mundo para amar a si mesmo. Os dois seguranças, naquele momento, não tinham muito espaço para qualquer amor, a não ser o amor pela violência bem paga. Tantos filmes e tantas histórias que não se comparam à sensação de um nariz quebrado sendo congestionado pelo líquido férreo. Tantas histórias, também, que não são nada além de pálidas sombras do verdadeiro amor. E o preço de todo este amor, de toda esta vida era a violência .

Nas distantes aulas de catecismo, o garçom aprendera, por causa da maçã do amor, nosso pecado original, sofríamos a violência. Violência cotidiana do trabalho rotineiro, violência cotidiana dos sequestradores relâmpago da classe-média cada vez mais violentamente sem futuro. A pior violência de todas, a lenta violência cultural, da Mídia e do Estado que nos mentem sobre o amor.
O preço de todo amor do garçom seria esse? Quebrar a garrafa de champagne na cabeça do elegante-hispânico? SEU MERDA! A cadeira no cidadão-bigode-contribuinte? Não faça isso, eu pago seu salário, socorro, polícia! Amar o mundo, para amá-la de verdade, seria isso? Semear as sementes do amor implicaria, sob a a névoa vermelha do ódio, sorver o suco doce e a carne tenra do fruto da violência que escondia o caroço da vida?

A bandeja na nuca do Agenor e uma muca no nariz do João. As sementes do amor estavam salvas? VÃO-TOMAR-NO-CU!
E ao descer correndo as escadas de incêndio, com o velho apoiado, o garçom ainda se pergunta: Como fazem aquilo todos os dias? Como pode? Como pode a segurança do restaurante naquela salinha? Como pode os ossos quebrados e ochão vermelho-manchado, escondido dos janotinhas? Como pode as ações da Bovespa, como pode a destruição invisível de milhares de vidas numa assinatura de venda feita por um bigode? Como, se não é nem para semear as sementes do amor?

Tuesday, January 11, 2005

La chica e el kapital

Una chica de Buenos Aires se fué a Brasil.
Quando lá llegó, encontró un hombre viejo, que hablava solo portugues e nada más.
La chica hablava inglés, alemán, italiano y esloveno.
El hombre dice que ella deberia aprender portugués. Ella aprendió.
Y así encontró su gran amor. Con un chico que pintava paredes en la escuela de lenguas.
La chica volvió a Buenos Aires y buscó por un padre de su crencia, el islam. No lo encontró. Solo un jefe de una célula comunista. El jefe, después de argumentar tres dias y tres noches con la chica, que lo dice que el comunismo tiene una estructura mitológica y articula el tiempo, linear y circular, de una fuerma muy cerca del cristianismo y del islam, concordó en ser el padre.
Asi la chica se casó con el pintor.
Y el perro oso fué su padriño.
y su abuela muerta fué su madriña.
Y lo comunista hice la revolución, dos años después. No en Argentina, pero en Brasil, que cambiose en un paraiso utópico de verdade. Mucho carnaval, futbol, cerbeza y sin prostituicion infantil.

Sin embargo, fué necessário que la revolución si hiciesse en los E.E.U.U. tambíem. Pero lá fueron los anarquistas que la hicieron.

Sunday, March 28, 2004

Danças Húngaras

Eu andava pelos caminhos estranhos da vida quando vi uma pedra. Uma pedra gauche. O que é uma pedra gauche? Pedras gauche são aquelas que conversam com anjos tortos. Logo, são mexicanas, pois pedras falantes só existem no México (1). Bom, a pedra num momento de epifania olhou para mim e disse: Ai que preguiça!!!! E virou um sujeitinho pretinho baixinho e com fralda. Eis então que ouvi barulho de aviões e os prédios caíram, enquanto o Homem Aranha tomava chá e chorava lágrimas de café. O sangue das aranhas, sendo verdadeiramente azul, não utiliza o oxigênio para processar as calorias. Se aproveita do trabalho das ilhas Filipinas e da China, que é sub-remurado. O Homem Aranha, por ser feito de papel, não sabe disso, ou então finge muito bem. Suas teias nos vidros de carro, são a metáfora perfeita da cristalização nociva das idéias quando postas em papel. A avaliação é um processo burguês-burocrático-tcnocrata (2) de opressão do pensamento e da cultura oral. A prova é a moeda do diploma. Mas o Homem Aranha é feito de papel e não sabe nada disso, ou finge muito bem. As pedras falantes são como as teias, mas entretanto elas têm cultura oral. Será que elas fazem sexo?! Mas as teias do Homem Aranha se dissolvem depois de uma hora, sendo assim, como dizia Marx, tudo que é sólido se desmancha no ar. As pedras gauche eram a sólida base dos prédios, e agora não tem mais casa; eram elementos da América latina, que bravamente passaram a fronteira catapultadas contra o Golias. Isso deve-se muito à crise do exército Zapatista depois da introdução do Salto 15 nas passarelas. Com a queda dos prédios, muitas pedras foram às ruas, mesmo porque naquele hora, os judeus não estavam. As pedras então encontraram os judeus na Intifada, mas essas eram outras pedras. Por isso a pedra estava no meu caminho.

1- Chapolim, episódio 36, 1969.
2- BALACHOV, Serguey. Des technocrates, des bureacrates et le bourgeoise. Paris: Galimard, 1999.

Otrao e Bernies são pensadores contemporâneos e injustiçados, especializados em se lamuriar sobre a vida. Filósofos e Historiadores da cultura do lixo hospitalar, ligados à Escola Charles Schultz de Existencialismo, trabalham em conjunto uma vez por década.

Friday, February 11, 2000

Lentes de contato

Ele olhava continuamente para ela. Ela olhava aos intervalos. O que ele queria era uma chance, só uma. O que ela pensava era nas possibilidades. Os dois estavam presos, presos cada um no seu mundo, presos cada um no seu modo de ver seus mundos. Ele estava preso ao seu próprio jeito de ser, sua incapacidade de romper certos limites que só ele impunha. À covardia de trocar o incerto e distante, mas possível, pela verdade, pelo concluído; fosse sim ou não. Ela estava presa numa promessa já feita a si mesma, que ela não poderia romper, que ela não queria romper. Rompê-la seria enfraquecer-se para consigo, seria desperdício, deveria haver uma boa razão, ou então uma grande paixão.

As pessoas ao redor, no trabalho, na rua não poderiam saber, não. Não poderiam perceber aquilo que era só dos dois, o único momento onde seus mundinhos isolados se tocavam. Ele não falava muito porque pensava demais. Pensava demais e aí, ou se acovardava, ou concluía a inutilidade do que queria falar. Analisava tudo antes, e percebia para si que não havia nada a ser feito. O coiote falava, continuamente no seu ouvido: Pula, Pula, mas ele não pulava, não havia porquê. Ela pensava também, mas falava um pouco mais. Ela tinha opiniões fortes, cabeça feita, ela provavelmente se ouvisse o coiote pularia, mas o coiote era dele, não dela. Mas enfim, o que lhes importava não eram as palavras, não era o som. O que lhes importava era as imagens. Mas não qualquer imagem, a imagem dos olhos. Seus olhos procuravam-se e analisavam-se. Não, os olhos não analisavam ele a ela e ela a ele. Os olhos analisavam-se mutuamente, só os olhos. As quatro pupilas se acompanhavam em movimento, como num espelho. Tocavam-se como se dessem as mãos, o sentido do tato dele e dela passava pelos nervos óticos. Podiam estar conversando sobre o mundo, sobre a rua, sobre o emprego, sobre a família, mas não era aquilo do qual realmente falavam. A música de suas vozes era acompanhada pelo sentido da visão. É claro que ambos apreciavam um a voz do outro, a voz rouca dela lembrava-lhe alguma cantora de Blues que ele não conseguia identificar, mesmo que ela não se parecesse de forma alguma com as pessoas que geralmente cantam essa música perfeita para a troca de olhares. Ela, por sua vez, parecia saber identificar a voz dele no meio de muitos, e como ele falava pouco, ela parecia até prestar atenção no que ele dizia.

Só o olfato era independente, só a troca de perfume se realizava sem a mediação dos olhos. Quando após um longo tempo sem se verem, eles se abraçavam, com beijinhos no rosto, o tato também aproveitava, mas rapidamente. Nesse momento pelo menos outros dois de seus seis sentidos (doze?) também se preenchiam, também aproveitavam aquilo que só os olhos tinham privilégio.

Ela sempre sorria quando ele chegava, ele sempre devolvia o sorriso (ou era ela que devolvia o sorriso?). Os quatro olhos esboçavam risos tímidos quando se encontravam. Havia uma sinceridade na troca de sorrisos que só as pupilas conseguiam perceber, mas nem as dela contavam para ela, nem as dele contavam para ele. Elas pareciam querer manter os dois no escuro, incertos. Malditas pupilas, brincalhonas, quanto tempo perdido teriam poupado se tivessem revelado o segredo que só vocês sabiam. Tivessem deixado seus respectivos olhos castanhos – todos os quatro olhos eram castanhos – e tivessem ido aos ouvidos, bem ao lado, fariam duas pessoas felizes. Ou melhor, resolvessem de vez o impasse: fossem nos ouvidos do outro, e lá dessem o serviço. Caguetassem que os indícios que ele e ela procuravam levavam a um crime verdadeiro e a dois culpados. Tivessem ido, mostrariam que as possibilidades nas quais pensavam eram mútuas, e tudo seria menos difícil. Sim, menos difícil porque mesmo assim ainda havia os fatores psicológicos que barravam ambos. Apesar do contato mútuo de seus olhares, apesar do tempo que passavam junto conversando, ele estava preso à sua psique covarde e ela ao passado. Dos dois, para ele seria mais fácil, para ele só tinha de pular, só dependia dele, a única coisa que tinha de fazer era ouvir o coiote. Para ela, era mais complicado. Ela não estava sozinha, à noite, outros olhos a procuravam, de manhã também. Ela era feliz assim, satisfeita. Seria bobagem pular de novo, cair numa nova jornada. Recomeçar abandonando uma casa meio construída, buscar abrigo num terreno baldio, que talvez até desse uma casa melhor, mas talvez.

Mas ainda assim, com todos obstáculos que surgiam em sua cabeça, que se opunham aos seus desejos, nada segurava aqueles quatro observadores. Nada os impedia de se beijarem à distância. Qualquer conversa, qualquer intervalo para o café lhes oferecia uma boa desculpa para que as retinas coloridas diminuíssem como lábios abertos a ponto de entrar em contato. Dessa mesma forma, para que as imagens recíprocas surgissem, as pupilas cresciam, e seus desejos se encontravam.
Mas aquilo era o relacionamento dele e dela. Um relacionamento cinematográfico. A narrativa de seus encontros era visual, e só no campo bidimensional das imagens é que poderiam conhecer-se. E isso era a fraqueza dele. Eles não se conheciam, só aos olhos do outro, só à imagem um do outro. Só conheciam a figura distorcida pelo desejo que ele raptara dela e ela seqüestrara dele. Enquanto seus caminhos não se cruzassem em efetivo, enquanto seus sentidos não se encontrassem na totalidade, eles permaneceriam desconhecidos, fotografias num álbum anos depois.